Sobre o momento presente, muito se tem escrito e comentado. Neste sentido, a crónica de Henrique Monteiro, Director do Expresso, é incontornável, quer seja por quem a escreve, quer seja pelo seu conteúdo...
"Henrique Monteiro (www.expresso.pt)
12:05 Terça-feira, 2 de Fev de 2010
Sou amigo do Mário Crespo há muitos anos e tenho-o na conta de um homem independente e sério, o que não significa que partilhe muitas opiniões com ele, ou que entenda que ele é um modelo de jornalismo. Também não acho isso de mim próprio, ou de ninguém em particular.
A liberdade é a coexistência de modelos e não a imposição de um em concreto.
Ao longo de mais de 30 anos de carreira jornalística - e nesse particular sou mais antigo do que o Mário - não me lembro de um cronista ser dispensado depois de a crónica estar pronta a ir para a oficina. E o que isto significa é que os limites da liberdade estão mais apertados do que nunca.
Tenho o director do JN, José Leite Pereira, na conta de um bom profissional e de um homem independente e sério. É jornalista há muitos mais anos do que eu, tem uma experiência considerável. Não creio que ele se impressione com uma crítica a Sócrates, como não creio que ele exigisse gratuitamente a Mário Crespo uma confirmação independente de fontes. Provavelmente, não o faz (nenhum de nós o faz) quando, em vez de Sócrates, está um outro cidadão qualquer em causa.
Porém, no caso do primeiro-ministro as palavras são relevantes, já que proferidas por quem tem a responsabilidade do poder executivo neste país. É certo que a conversa pode ser considerada privada, mas é igualmente certo que o bom-nome de Mário Crespo foi atacado de forma pública, ou jamais seria ouvida por circunstantes que nada tinham a ver com a conversa.
O que se passa, então?
Posso tentar avançar uma explicação: Mário Crespo tornou-se incómodo para Sócrates (e até para Cavaco, que denunciou em algumas crónicas), e a sua incomodidade estava a deixar o próprio José Leite Pereira numa situação difícil. Por isso o director do JN recorreu a um excessivo escrúpulo jornalístico para resolver a questão. E decidiu não publicar a crónica.
Não posso condenar José Leite Pereira, não é do meu timbre julgar os outros. Apenas posso dizer que este é o panorama da nossa Comunicação Social: Grupos que dependem do poder do Governo, patrões que pressionam directores e editores até à exaustão, cronistas afastados por serem incómodos e uma multidão de lambe-botas que, prudentemente se cala ou arranja eufemismos para tratar a questão.
Tenho em comum com Mário Crespo o facto de trabalharmos num grupo onde nada disto acontece (felizmente não será o único). Talvez não estejamos inteiramente preparados para o mundo 'lá fora', onde as palavras têm de ser medidas, onde não se pode escrever preto no branco, como aqui faço, que Sócrates é o pior primeiro-ministro no que respeita à Comunicação Social; o único que telefona e berra com jornalistas, directores, com quem pode. O único em que nestes mais de 30 anos que levo de vida jornalística, se preocupa doentiamente com o que dizem dele, em vez de mostrar grandeza e fair-play com o que de errado e certo propaga a Comunicação Social.
Lamento dizê-lo, tanto mais que é nosso primeiro-ministro e seguramente tem trabalhado muito e o melhor que sabe.
Mas é a verdade, e num momento destes a verdade não se pode esconder."
Mais uma vez existem suspeitas à volta do Primeiro-Ministro. Não é a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez! E, ou muito me engano, ou não será a última!
Mas a suspeita poderá não passar disso mesmo. As escutas vão ser destruídas e com elas morrem as conversas que indiciavam a prática de "crime contra o Estado de Direito". É lamentável que assim aconteça.
Com este pequeno episódio, dá-se uma facada num já moribundo sistema de Justiça, em que poucos acreditam, e que todos dizem estar em crise.
Com este pequeno episódio, adensam-se as suspeitas sobre Sócrates, e aumenta-se ainda mais o fosso sociedade civil/políticos.
As perguntas que se impõem é, até quando vai o país conseguir aguentar isto? Para quando uma verdadeira mudança no sistema?
Uma coisa é certa. Se isto acontecesse com Durão Barroso ou Santana Lopes como chefes de governo, o que não se teria já dito e feito!! No mínimo já teriam demitido o Governo 5 vezes, apresentado 10 moções de censura, dissolvido o Parlamento 3 vezes e todos os agentes do sistema de justiça já teriam sido pomposamente recebidos em Belém para dizer mal do governo.